De novo, o <i>PNR</i>
Data de reserva da viagem, data da viagem, endereço, forma de pagamento, itinerário, informação de passageiro frequente, agência de viagens utilizada, endereço de e-mail, bagagem, preferências alimentares, todo o histórico de viagens (…) são alguns dos 42 tipos de informação previstos no novo Acordo de Dados PNR (Passenger Names Record) que está a ser cozinhado na Comissão Europeia e entre vários governos e que, a ir para a frente, fará com que as forças de segurança dos vários países da UE tenham acesso obrigatório a estes dados. Mas dados de quem? De todos os que voarem de avião de um país da UE para um país fora da UE e, possivelmente, mesmo para todos os que voam entre países da UE.
Vigilância permanente
Ou seja, se este projecto for para a frente, todos nós estaremos a ser escrutinados e vigiados por esta rede de informação sob o pretexto de «prevenir, detectar, investigar atentados terroristas e crimes graves». Dados esses que ficarão armazenados durante cinco anos e que poderão, entretanto, ser partilhados, o que torna difícil assegurar a sua efectiva destruição.
É verdade que em 2013, após o chumbo do Parlamento Europeu a este sistema, esta dimensão do projecto «Big Brother» foi temporariamente suspensa. Os recentes atentados terroristas em Paris e a emergência do autodenominado Estado Islâmico vieram dar o pretexto para reagendar este objectivo, agora num contexto de debate público alarmista e com a opinião pública, possivelmente, mais vulnerável para aceitar este tipo de medidas.
Primeira questão que se coloca: aqueles que tanto se autoproclamam defensores da liberdade são os primeiros a planificar a asfixia dos direitos, liberdades e garantias individuais. Sim, existem direitos, desde já constitucionalmente consagrados no nosso País, que não poderão ser postos em causa por quaisquer tipo de acordos que a UE decida.
Segunda questão: os 42 tipos de dados serão cruzados, teoricamente, para a criação de um tipo de perfil que corresponda a um indivíduo suspeito de ligações a organizações terroristas. Mas não poderão ser criados outros tipos de perfis? Por exemplo, o perfil do sindicalista, do grevista, do anticapitalista, etc… Num contexto em que, de vários países da UE, vêm cada vez mais relatos de criminalização e perseguição a sindicalistas ou a quem organiza a luta dos trabalhadores, será esta hipótese inverosímil?
Terceira questão: se tal sistema já existisse antes dos atentados de Janeiro em Paris, tal evitaria a tragédia que aconteceu? Não existe nenhuma ligação plausível para que se chegue a essa conclusão.
Em vez de os senhores da UE passarem agora dias a fio a discutirem como é que nos controlamos melhor uns aos outros, melhor seria se fizessem alguma instrospecção para tentarem perceber quais foram as acções empreendidas pelo super-paradigma da democracia, a UE, que gerou este efeito reflexivo. Alguns sociólogos expressariam essa imagem através dos «efeitos boomerang» de uma sociedade reflexiva. O saber popular diria que o feitiço se virou contra o feiticeiro. Vejamos. Invadir países como a Jugoslávia, o Iraque, a Líbia, o Afeganistão, bombardear as suas populações e explorar os recursos naturais desses países. Apoiar todas as forças em guerra contra o governo de Assad – fossem estes radicais fanáticos ligados à Al-Qaeda e ao Estado Islâmico, com vista ao derrubamento de um governo que não servia os seus interesses. E os atentados terroristas em Paris. Existirá aqui, sim, uma correspondência.